Por Fabíola Munhoz e Filippo Cecílio, do Amazônia.org.br
Pesquisadores apontam falhas e riscos nos projetos que pretendem alterar a divisão territorial. Para os ambientalistas, as normas visam a diminuição no controle do desmatamento.
Projetos de lei que pretendem retirar Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão da Amazônia Legal, alegando que tais estados não possuem floresta amazônica, representam a falta de conhecimento geográfico e ambiental de seus autores, segundo estudiosos da região.
Para o coordenador de pesquisas agronômicas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Charles Clement, é evidente que, por trás da busca pela mudança na composição da Amazônia Legal está a intenção de diminuir o controle do desmatamento nas áreas que deixariam pertencer à região. A explicação para hipótese está no fato de que o Direito Ambiental Brasileiro prevê uma reserva legal de 80% para o bioma Amazônia, enquanto esse percentual é de 30 para áreas de Cerrado. "Eles querem mais liberdade para destruir ecossistemas naturais sem risco de serem cobrados no futuro", afirmou.
Uma das propostas, o Projeto de Lei 05/2007, de autoria do senador Jonas Pinheiro (DEM/MT), traz como justificativa a ideia de que a Amazônia Legal foi criada para fins de desenvolvimento econômico regional, sem que os estados por ela abrangidos devam ser enquadrados como pertencente ao bioma Amazônia.
Agricultores e pecuaristas do Tocantins, Mato Grosso e Maranhão dizem, inclusive, que a submissão de suas áreas agricultáveis à reserva legal voltada a Amazônia prejudica o desenvolvimento econômico de suas regiões. Outro projeto de lei, de autoria do deputado federal Osvaldo Reis (PMDB/TO), o PL 1278/07, pretende retirar o Estado do Tocantins da Amazônia Legal pelo mesmo motivo.
Segundo Clement, os políticos que criaram as propostas pretendem ignorar a insustentabilidade do sistema atual e continuar o crescimento econômico com base na prática insustentável da agricultura nos seus Estados. Ele afirma que é preciso repensar o desenvolvimento nacional para enquadrar não apenas a legislação ambiental, mas também a realidade de que dependemos da existência de ecossistemas naturais para fornecer os serviços ecológicos essenciais ao empreendimento humano.
Para ele, falta a visão política de que estamos num sistema político-econômico inapropriado, em que o Estado tenta combater a degradação e ao mesmo tempo a incentiva a degradação. "Normas e leis que tentam conservar serão sempre ineficazes num sistema politico-economico desenhado para explorar a todo custo", afirma.
Propostas trazem erro conceitual
A Amazônia Legal foi constituída para ser uma área de investimentos de capitais, tanto por parte do Estado, como pela da iniciativa privada durante os governos militares. Sua área de abrangência era alvo da política de incentivos fiscais da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Trata-se, portanto, de uma divisão geopolítica correspondente a uma região, que é objeto de ações de agentes público e privados.
Segundo o professor titular de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino de Oliveira, a concepção desse território era próxima da área onde havia a presença do bioma Amazônia. No entanto, ele destaca que o limite da Amazônia Legal não coincide com o bioma da floresta equatorial. "Não se pode confundir Amazônia Legal com bioma floresta amazônica, nem os dois com região Norte do IBGE. A Amazônia Legal era uma área de intervenção de políticas estatais e objetos de investimentos estatais e privados, não um determinante da presença do bioma", disse.
O coordenador Clement explicou que, durante o regime militar, a Amazônia recebeu recursos significativos, que diminuíram na segunda metade do período por fatores de política econômica externa. Com a redemocratização, os investimentos voltados à região permaneceram os mesmos, com a exceção de alguns projetos específicos. Para o coordenador, a estratégia geopolítica não alcançou a meta de integrar a Amazônia ao empreendimento brasileiro.
Divisão geopolítica não é determinante para a presença do bioma
Sobre o argumento de que Mato Grosso, Tocantins e Maranhão praticamente não abrigam o bioma Amazônia, Clement concorda, mas destaca que o cerrado presente em tais estados também deve ser valorizado, por ser rico em biodiversidade e oferecer serviços ecológicos em proporção a sua biodiversidade e não apenas à biomassa que apresenta, em menor que a floresta amazônica.
O especialista defende o aumento da reserva legal no Cerrado e a ampliação da cobertura do Sistema Nacional de Unidades de Conservação no bioma. "O Cerrado está muito mais ameaçado de degradação do que a Amazônia", informou.
O professor Ariovaldo discorda, afirmando que a Amazônia Legal contém em sua totalidade o bioma Amazônia, além do Cerrado nos estados de Mato Grosso, Tocantins e Rondônia, bem como uma parte da Mata dos Cocais no Maranhão. "Se por um lado a divisão geopolítica é maior que a do bioma, não há como se fazer uma regionalização baseada na presença da floresta que não avance o território dos estados. O bioma avança no Maranhão, no Tocantins e no Mato Grosso, mas não se limita ao limite político jurídico", explicou.
Ele também afirmou que, se a divisão da Amazônia Legal se pautar pela presença da floresta amazônica todos os estados deverão ser mantidos, assim como os estados de Pará, Amazonas e Acre, que também não são totalmente formados pelo bioma. Inclusive, Roraima, segundo o professor, é formado em parte por savana, enquanto o Amapá também possui cerrado.
Na prática, para o professor, a retirada dos estados da Amazônia Legal não os livrará de cumprir a reserva legal determinada pela presença do bioma. "Se há um município só com Cerrado, deve-se respeitar o limite da reserva legal previsto para esse bioma, e é o MMA [Ministério do Meio Ambiente] que fiscaliza esse cumprimento. No mundo da política se desconhece a realidade dos biomas existentes no Brasil", diz Ariovaldo.
Ele também lembra que muito do que havia de floresta nos estados que hoje querem sair da Amazônia Legal foi derrubado. Destaca que o Mato Grosso foi classificado como área de floresta de transição, também chamada "Cerradão", e o governador do estado, Blairo Maggi, por desconhecimento botânico, buscou com isso o livramento da necessidade de recompor a reserva legal da Amazônia.
O Ministério do Meio Ambiente e o Ministério Público hoje exigem que países que contenham a floresta amazônica recomponham áreas degradadas, registrando inclusive em cartório as áreas de proteção dentro de suas propriedades "Por trás desse assunto, está o desrespeito à Lei e o desejo de não cumpri-la. O que está em jogo não é fazer parte ou não de uma divisão regional, mas sim fazer uma lei que dizendo que o que foi desmatado não é mais área de floresta", afirmou o professor.
Para Clement, as reservas legais na Amazônia e no Cerrado são mecanismos insuficientes para que se alcance o tão sonhado desenvolvimento sustentável. "As reservas legais são mecanismos para se tentar a garantia de alguns serviços ecológicos em cada bioma, mas ainda são necessários: unidades de conservação, humanos que consumam pouco e reciclem, governos que priorizem o bem-estar socioambiental acima do da economia e empresas 'verdes'", afirmou.
Pertencer ou não pertencer à Amazônia Legal
Para Clement, a Amazônia é um símbolo importante nos imaginários brasileiro e mundial e fazer parte dele oferece oportunidades pouco aproveitadas por empresas, pessoas e governos. O governo do estado do Amazonas, segundo ele, é uma exceção, por vir buscando a utilização de sua floresta intacta como forma de estimular ideias de mercado sobre serviços ecológicos. "Infelizmente, o apoio do governo federal e de outros governos da Amazônia legal para que essas alternativas sejam buscadas é retórico", concluiu.
Para o professor Ariovaldo, o que se discute com estes projetos de Lei é o menos importante, já que também há problemas de fiscalização do cumprimento das reservas legais. Ele afirma que a intenção é flexibilizar a lei para continuar desmatando, legalizando o desmatamento e diminuindo o ônus da recuperação a que são obrigados por terem devastado.
"Nos três estados (MT, TO e MA), há bioma Amazônia e achar que saindo da Amazônia Legal passa-se a ser estado só de Cerrado é uma piada. Sair da Amazônia Legal não é sair do bioma. As propostas revelam ignorância e falta de conhecimento da geografia brasileira do seu autor", concluiu.
Histórico
O presidente Getúlio Vargas criou, em 1953, a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), buscando promover o desenvolvimento da produção agropecuária e a integração da região amazônica à economia nacional, por considerar que esta parte do país estava muito isolada e subdesenvolvida. Mesmo raciocínio adotado anos mais tarde pelos militares para povoarem a região.
No ano de 1955, por meio da Lei 1.806, de 6 de janeiro de 1953, (criação da SPVEA), foram incorporados à Amazônia Brasileira, o Estado do Maranhão (a oeste do meridiano 44º), o estado de Goiás (ao norte do paralelo 13º de latitude sul - atualmente Estado de Tocantins) e Mato Grosso (ao norte do paralelo 16º latitude Sul). Com esse dispositivo, a Amazônia Brasileira passou a ser chamada de Amazônia Legal, constituída por conceito político e não necessariamente por imperativos geográficos.
Em 1966, já no governo militar de Castelo Branco, a SPVEA foi substituída pela Sudam. Tal órgão foi também criado para dinamizar a economia amazônica. Em 1967, sempre perseguindo a idéia de desenvolver a região, foi criada a Zona Franca de Manaus: uma área de livre comércio com isenção fiscal que até hoje perdura.
Em 11 de outubro de 1977, a Lei Complementar nº 31 criou o estado do Mato Grosso do Sul e, em decorrência, o limite estabelecido pelo paralelo 16º é extinto. Todo o território do novo estado do Mato Grosso passa assim a fazer parte da Amazônia Legal.
Com a promulgação da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 é criado o estado do Tocantins e os territórios federais de Roraima e do Amapá são transformados em estados federados. Assim, o paralelo que dividia o antigo estado de Goiás e que limitava a área da Amazônia Legal foi substituído pelos novos limites políticos entre Goiás e Tocantins.
Em 24 de agosto de 2001, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou a medida provisória nº. 2.157-5, que criou a Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA) e extinguiu a Sudam. Esta decisão foi tomada após seguidas críticas quanto à eficiência desta autarquia e o novo órgão passou a ser a responsável pelo gerenciamento dos programas relativos à Amazônia Legal. Em agosto de 2003 o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recriou a Sudam.
(Envolverde/Amazônia.org.br)
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