terça-feira, 28 de abril de 2009

Caos e desmoralização do Estado em conflitos no Pará :: Valor Econômico

Em maio de 2008, por ocasião da votação da Medida Provisória do Reporto, a senadora Katia Abreu (DEM-TO) foi acusada de atuar contra os interesses do banqueiro Daniel Dantas, do grupo Opportunity. Exatamente um ano depois, a governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, diz que a senadora está a serviço do banqueiro, ao requerer intervenção federal no Estado, por descumprimento de sentenças de reintegração de posse, e ameaça dar entrada a um pedido de impeachment da governadora.

A disputa pela posse e uso da terra nas áreas de fronteira do Pará é assunto para ser tratado com mais seriedade, menos acusações entre partes ideologicamente incompatíveis e merece um olhar mais atento dos governos estadual e federal. As imagens da troca de tiros entre a guarda privada da fazenda de Dantas, no Sul do Pará, e sem-terras são uma evidência do descalabro em que se transformou a questão agrária do Estado onde, há 13 anos, ocorreu o célebre massacre de Eldorado do Carajás, no qual tombaram 19 trabalhadores rurais. De lá para cá, pouco ou quase nada mudou.

Daquela vez era polícia atirando contra sem-terra. O risco agora é o de conflito armado entre as partes. A reação da guarda da fazenda Espírito Santo, quando meia dúzia de seguranças rechaçou um grupo de sem-terra que tentava se apoderar da sede da propriedade, serve de estímulo a outros empresários que perderam a fé na isenção do governo estadual para arbitrar as disputas - se meia dúzia de seguranças dão conta do recado, imaginam eles o que seria se a governadora colocasse a Polícia Militar para assegurar o cumprimento, sem violência, dos mandados de reintegração de posse.

A CNA relaciona 111 mandados expedidos pela Justiça sem cumprimento por parte do governo estadual. Em entrevista concedida ao repórter Caio Junqueira, publicada na edição de sexta-feira passada do Valor, Ana Júlia afirma ter recebido o governo com 173 mandados por cumprir, dos quais só restariam executar 63. Pouco importam os números de um ou de outro, pois tanto um quanto o outro apenas servem para comprovar a anomalia, que há algo de errado no processo de ocupação da terra e de reforma agrária no Pará. A reintegração de posses é apenas uma das partes do problema.

A disputa pela posse e uso da terra também se tornou um bom negócio eleitoral. Tanto que dois ex-superintendentes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ganharam mandatos na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa do Estado, nas eleições de 2006. Ambos, aliás, às voltas com denúncias do Ministério Público Federal, acusados de irregularidades em suas gestões no órgão. Procuradores da União registram até um caso em que o motorista e uma cozinheira do Incra atestavam a execução das obras em assentamentos oficiais.

Assentamentos, diga-se a propósito, que se acham abandonados. Os paraenses se perguntam por que a Controladoria Geral da União (CGU), que faz inspeções nas regiões mais remotas do país, ainda não se interessou pelos órgãos e dirigentes que cuidam da questão fundiária no Estado.

A situação na fronteira agrícola do Pará chega ao limite do verossímil quando fazendeiros reclamam da perda de poder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Há relatos segundo os quais o velho e bom MST de guerra foi substituído por bandos organizados no vizinho Estado do Maranhão para ocupar propriedades no Pará e depois negociar a devolução das terras ou a venda pura e simples para os comerciantes da região. Com o movimento sem-terra havia pelo menos uma “institucionalização” da disputa, na qual as partes se reconheciam claramente, o que não ocorre com a “pirataria do campo”, no dizer dos fazendeiros.

O caos, a desmoralização da autoridade e do poder público, em geral, e de entidades capazes de mediar os conflitos não interessam a ninguém, a não ser a quem se beneficia da desordem. O risco imediato é que sejam ressuscitados os grupos de direita que defendem o armamento e o enfrentamento a bala às soluções negociadas, e a volta de coisas que já morreram, como a antiga União Democrática Ruralista, a UDR.

* Editorial do Jornal Valor Econômico

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