Por Wilson Bueno*
A Semana de Meio Ambiente é o gancho jornalístico para um festival formidável de hipocrisias verdes, comemorações vazias e tentativas recorrentes de manipulação da opinião pública.
Todo início de mês de junho é a mesma coisa. Os veículos abrem espaços e tempos generosos para o meio ambiente, as empresas proclamam a excelência de sua gestão ambiental, os governos divulgam estatísticas favoráveis de desmatamento, pessoas bem intencionadas abraçam árvores e organizações poderosas exaltam o seu "footprint" zero. Vale isso?
É evidente que não, mas a hipocrisia empresarial e governamental é assim mesmo e não há ministro nem ONG que dêem jeito. Isso não quer dizer que não devemos botar a boca no trombone, repudiar a estratégia cínica do marketing verde e clamar por franqueza e transparência (e a Petrobrás como é que fica, hein?).
Reportagem especial publicada pela revista Exame (que nada tem a ver com os ambientalistas, muito pelo contrário, não é mesmo?) divulgou esta quinzena pesquisa demonstrando que a crise (que nem atingiu todo mundo da mesma forma) tem contribuído para que as empresas deixem de investir ou invistam menos em sustentabilidade, apesar do compromisso estabelecido nos balanços socioambientais, do discurso grandiloqüente de algumas campanhas publicitárias e dos releases cínicos que chegam aos montes às redações.
A Semana de Meio Ambiente é o gancho jornalístico para um festival formidável de hipocrisias verdes, comemorações vazias e tentativas recorrentes de manipulação da opinião pública.
As empresas e governos, cientes de que o meio ambiente vai estar na agenda , na pauta da mídia, se empenham em ocupar espaços e tempos, e acionam suas agências e assessorias para um esforço integrado em nome da sua imagem. Sabem eles que a sustentabilidade representa hoje um valor inegociável, mas incapazes ou não interessados em fazer a lição de casa, buscam caprichar no discurso ao mesmo tempo em que escondem a sujeira debaixo do tapete.
Pesquisa realizada pela PricewaterhouseCoopers em parceria com o Ministério da Indústria e Comércio, citada pela Folha de S. Paulo (28/04/2009, p.B10), evidencia que somente 17% das empresas brasileiras de grande porte têm inventário de emissões dos gases de efeito estufa. Este dado confrontado com a onda moderna do carbono neutro (como existe empresa "carbon free" de araque em nosso País!) mostra a desfaçatez de boa parte da comunidade empresarial que continua emporcalhando o ar, a água, o solo sem piedade.
Fatos recentes confirmam que estamos longe de um nível ao menos aceitável de sustentabilidade e que, na prática, continuamos caminhando para trás... e a passos largos. Vejamos alguns deles:
1) O Governo, segundo o Greenpeace, está investindo pesado no mercado de commodities agrícolas e, com isso, patrocinando, direta ou indiretamente, a devastação da Amazônia. Frigoríficos (Bertin, JBS e Marfrig) e supermercados (Carrefour, Pão de Açúcar Wall Mart), além de algumas empresas de prestígio (Adidas, BMW, Ford, Honda, Louis Vuitton, Gucci, Boss, Prada), acabam sendo financiados pelo BNDES que solta dinheiro por critérios eminentemente econômicos sem atentar para o impacto ambiental de suas benesses;
2) Estudo recente da Unicamp revelou a presença de um composto tóxico (PCB), cancerígeno, no leite materno das mães paulistas, mesmo estando a sua comercialização proibida há quase 20 anos. O PCB (policloretos de bifenilas) é usado em graxas, óleos lubrificantes, tintas de impressão e pesticidas e está associado a problemas de desenvolvimento e baixo nível de coeficiente intelectual;
3) Levantamento do Ministério da Agricultura (e olha que o Stephanes está longe de ter uma cara ao menos verdinha!) mostrou que quase 70% das criações de gados vistoriadas no Estado de São Paulo alimentam os bovinos com rações que incluem proteína de origem animal, com sérios riscos para a saúde humana. Isto quer dizer que esta história de boi verde é apenas para inglês ver e que a pecuária brasileira continua sendo a grande vilã da sustentabilidade, devastando a Amazônia e afrontando a segurança alimentar em toda parte;
4) A contaminação do milho tradicional pelo milho transgênico já é uma realidade e certamente o país acabará perdendo a vantagem competitiva que havia conquistado no mercado internacional, pois há importadores que não aceitam a semente geneticamente modificada. Enquanto isso, a CTNBio continua fazendo o jogo dos grandes interesses privados, apesar de sua propalada "competência técnica" e independência (é para rir ou para chorar?);
5) A Usina de Angra 2 teve no mês passado um acidente com material radioativo ( o que demonstra que ela está suscetível à falha humana) e só comunicou o ocorrido para a sociedade quase duas semanas depois, o que evidencia a falta de transparência da indústria nuclear. Aliás, não é de estranhar esta postura porque esta indústria se respalda na sua indisfarçável herança militar para sonegar informações de interesse da opinião pública. E tem gente pregando a construção de um montão de usinas para desespero dos moradores de Angra e arredores.
O meio ambiente no Brasil , apesar de espetáculos midiáticos aqui e acolá, continua sendo penalizado e ações concretas não vêm sendo tomadas na amplitude e intensidade necessárias para coibir os abusos. Fiscalização precária, lobbies formidáveis dos ruralistas (que querem agora detonar o Código Florestal e proclamar o "liberou geral"), omissão de governantes e ação predadora de segmentos confessadamente insustentáveis (mineradoras, agroquímicas, indústria de papel e celulose, madeireiras, siderúrgicas, empresas de biotecnologia e outras menos votadas), eis a dura realidade.
O problema que ninguém ousa atacar e que está no cerne da degradação ambiental é, na verdade, este modelo de desenvolvimento que se nutre de PACs demagógicos, que prioriza a ajuda a montadoras e bancos em detrimento das microempresas, que incentiva o agronegócio a qualquer custo e banca uma pecuária irresponsável. Um modelo que se apóia no consumismo, no desenvolvimentismo e que, ao contrário do que alguém pode interpretar, nada tem a ver com o PT ou o PSDB, mas com o discurso e a prática insustentável de todos os partidos.
O cenário dramático (os que banqueteiam à custa do meio ambiente são capazes de dizer que se trata de mais uma teoria da conspiração) não justifica comemorar a Semana do Meio Ambiente, mas nos estimula a resistir.
Vamos plantar árvores , vamos reciclar (mas também pagar dignamente os que catam lixo e não apenas favorecer as empresas que reaproveitam o material e continuam consumindo vorazmente os recursos naturais), vamos economizar água, energia e sobretudo estarmos vigilantes contra o assalto constante de governos e corporações.
Não devemos acreditar em quem fica gastando dinheiro a rodo para se proclamar sustentável (como a Vale gasta para dizer que é boazinha, vai ver que Freud explica!), não podemos nos deixar seduzir pela praga do marketing verde.
A sustentabilidade não é um apelo de marketing e muito menos uma vassourinha verde a ser utilizada para o processo sujo de limpeza de imagem. Na Semana do Meio Ambiente, vamos varrer da memória este cinismo e esta hipocrisia empresariais. E vamos fazer a nossa parte. Mãos a obra.
* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor da UMESP e da USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa. Editor de 4 sites temáticos e de 4 revistas. Artigo publicado na Revista Imprensa e reproduzido com autorização do autor.
(Envolverde/Ecoagência)
Nenhum comentário:
Postar um comentário