Este procedimento é regulamentado, dentre outros dispositivos, pela Resolução 237/97 do Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama. O licenciamento não se aplica apenas para monitorar os diversos ambientes - físico, biótico, antrópico - nas áreas de influência dos projetos. Serve, ou pelo menos deveria servir, de uma espécie de contrato entre o estado e o empreendedor, no estabelecimento das justas compensações e medidas mitigatórias dos impactos negativos desses projetos.
Um tópico das notas distribuídas à imprensa pela Companhia Vale do Rio Doce, tentando justificar-se dos inúmeros atos de protesto, é emblemático para realçar alguns equívocos que no Pará se tem cometido na concessão de licenças ambientais. "O apoio da Vale às iniciativas de proteção e desenvolvimento sócio-econômico das comunidades indígenas, dentre eles a Parkatejê, os Xikrins etc. é uma atitude voluntária", declara a empresa nos documentos.
"Voluntário" seria também, pelo mesmo raciocínio, o apoio dado pela Pará Pigmentos S/A, empresa do Grupo Vale que explora uma mina de caulim no município de Ipixuna do Pará, às comunidades indígenas em cujas terras passa o mineroduto que transporta o minério até o complexo portuário de Vila do Conde. Pois bem, alguns meses atrás, a Fundação Nacional do Índio (Funai) acusou a empresa de não estar cumprindo os compromissos assumidos com os índios, enquanto estes se queixavam do tratamento "arrogante e desrespeitoso" a eles dispensados por alguns executivos da Vale.
A relação da Vale com as comunidades indígenas que ocupam terras situadas nas áreas de influência de seus projetos, como se vê, é marcada pela ambigüidade, como ambígua tem sido, também, a sua relação com a sociedade paraense. A empresa, que utiliza a figura do índio no seu marketing promocional, ignora a passagem de mineroduto e ferrovia nas terras indígenas e considera como simples favores - ou "atitudes voluntárias" - todo e qualquer tipo de apoio.
Ao agir assim, a Vale está fazendo, em benefício próprio, uma interpretação muito generosa dos dispositivos da Lei 5.887, a chamada Lei Ambiental do Estado. Mas a culpa não é só dela, e nem sequer é principalmente dela. O que acontece é que a própria sociedade paraense não está sabendo aproveitar, em toda a sua plenitude, recursos contidos na legislação. Se o fizesse, a empresa jamais poderia classificar como "atitudes voluntárias" nem considerar como simples "favores" o cumprimento de compromissos a que, na verdade, estaria obrigada por imposição legal.
A Lei 5.887 estabelece, por exemplo, que o Conselho Estadual de Meio Ambiente, o Coema, definirá, através de resolução, as atividades e obras que dependerão da elaboração de Estudo de Impacto Ambiental e de Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (Eia/Rima). É através dos instrumentos de controle, ou projetos ambientais, segundo a mesma lei, que devem ser previstas e definidas, com antecedência, todas as medidas e ações. E não somente as de compensação, mas também as de mitigação de impactos negativos e de incremento dos positivos, definindo-se principalmente as de natureza socioeconômica e ambiental.
No Pará, o que tem acontecido - e nos casos mais recentes aconteceu com o Projeto Bauxita Paragominas, com a Refinaria ABC e com a Usina Termelétrica de Barcarena, para citar apenas três - é que nem o Coema, que tem ampla representação da sociedade civil, e nem a própria população, nas audiências públicas que antecedem à conclusão dos estudos, têm tirado proveito dessas disposições da lei. O documento final, com recomendações difusas, acaba sendo mesmo aquele apresentado pela mineradora e previamente preparado sob a sua orientação direta. Depois, quando procuram - sejam brancos ou índios - buscar compensações, o que buscam na verdade são direitos inexistentes, já que, fora dos parâmetros que expressamente condicionam o licenciamento ambiental, toda e qualquer ação da empresa pode ser considerada "voluntária" e "de livre iniciativa".
Teoria da conspiração
Apesar do neocolonialismo mineral que vive o Estado do Pará, a democracia participativa deveria garantir seu espaço e estimular a democracia formal a ampliar a influência da sociedade civil nas decisões de governo. Essa dinâmica deveria alterar o próprio significado de "governar". Surgiria uma nova perspectiva de tomada de decisão em que os atores "não-governamentais" passariam a dividir responsabilidades com os gestores públicos, tomando parte efetiva no espaço público. Esse novo modo de exercer a democracia deveria ser, na verdade, um processo para permear todas as relações sociais, assumindo um caráter ético e político, objetivo e subjetivo, macro e micro.
Quem empreende esforços na difícil tarefa de consolidar a democracia participativa depara-se com o desafio de conciliar a eficácia das decisões com a ética democrática. Para tanto, deveria contar-se com a vontade política dos governantes de ceder parte do poder e seria esperada dos agentes desses espaços de participação a capacidade de aperfeiçoar ao máximo.
O desafio seria tanto o de conquistar o espaço de participação efetiva, como o de consolidar os modelos de co-gestão participativa e sustentável, quando esses espaços públicos fossem apropriados pela população. O exercício da democracia participativa exige, porém, esforços coletivos constantes de todos, sociedade e governo.
Além de mais complexas, as decisões participativas exigem muito mais trabalho em reuniões, negociações e organização de processos do que as decisões centralizadas e sem participação. Logo, seria importante que não se desperdiçasse o tempo e a energia dos participantes nessas reuniões. Nelas, um grande número de pessoas tem de tomar as decisões necessárias para atingir os objetivos estabelecidos em pouquíssimo tempo, sem se descuidar da ética.
Os problemas se refletem na postura de cada indivíduo nas audiências públicas ou privadas. Daí costumam surgir obstáculos para o êxito da reunião em função da atuação dos participantes. Diferentes pontos de vista, interesses e objetivos podem entrar em choque e agravar a situação se as questões inerentes ao processo não forem esclarecidas ou negociadas. Diferenças de formação, de experiência prévia e de papel institucional de cada participante estabelecem essa desigualdade. A herança de uma cultura política clientelista, personalista e autoritarista compromete a qualidade e a ética da participação.
Tudo isso acaba alimentando alguns "jogos de poder" que podem ter nenhuma, pouca ou muita relevância para o processo decisório. O problema fica mais sério quando esses jogos se sobrepõem aos objetivos, não só de cada encontro ou audiência pública, mas do processo participativo em geral. Com o passar do tempo, o participante de boa fé começa a ficar descrente do processo e logo acaba se retirando, frustrado pela sensação de exclusão e por estar em um espaço em que reina apenas a disputa do poder.
A falta de ética e de eficácia traz o de esvaziamento do processo, tanto em quantidade como em qualidade. Ninguém questiona a alta complexidade de se pensar, decidir e agir coletivamente. É algo que exige esforço de abertura em relação ao outro, capacidade de negociação, tolerância, paciência, agilidade e disciplina, entre outros requisitos. Os grandes perigos de uma reunião participativa são os mecanismos autoritários, típicos de uma cultura política antidemocrática, reproduzidos em maior ou menor escala pelos participantes, por hábito ou intencionalmente.
É importante saber identificar esses mecanismos e agir para que os participantes os compreendam e para que o grupo possa substituí-los por alternativas democráticas, contrárias da indiferença, da cena oculta, da disputa retórica, da desfocalização, da generalização de discurso, da teoria da conspiração ou síndrome da perseguição.
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