Um dos maiores complexos industriais de produção mineral do mundo, as minas de ferro e manganês da Companhia Vale do Rio Doce, em Carajás, foram implantadas e começaram a produzir em meados da década de 80, sem prévio licenciamento ambiental. Do conjunto faziam parte ainda as suas plantas de beneficiamento, as estradas de acesso, toda a infra-estrutura de energia elétrica, incluindo subestação e mais as linhas de transmissão e distribuição e até a ferrovia que liga a província mineral, em solo paraense, ao porto de São Luís do Maranhão, com quase 900 km de extensão.
O licenciamento só começou a ser feito a partir de 1995, quando foi editada a Lei Estadual 5.887, de nove de maio daquele ano, que instituiu no Pará a Política Estadual de Meio Ambiente. Esse tipo de licenciamento continuou sendo de atribuição federal e, portanto, de responsabilidade do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama, somente em áreas específicas, como as terras indígenas, as florestas nacionais e nos casos de rios que cortam mais de um Estado. Nesta situação se enquadrariam, por exemplo, os licenciamentos ambientais para implantação das hidrovias do Araguaia/Tocantins e do Teles Pires/Tapajós.
Essa questão voltou à mesa de debates restritos apenas à comunidade tecnológica, desde fevereiro de 2004, quando começaram a circular, em Brasília, informações dando conta de que o governo federal pretendia retirar dos Estados o direito de conceder as licenças ambientais para grandes projetos nas áreas de energia elétrica, petróleo e mineração.
A medida, caso viesse – ou venha - a ser adotada, beneficiaria - ou beneficiará duas grandes empresas - a Petrobrás e a Companhia Vale do Rio Doce - e enfraqueceria política e economicamente dois Estados: Rio de Janeiro e Pará.
No Rio de Janeiro, a mudança estaria sendo estudada sob encomenda para atender a uma reclamação da Petrobrás. A empresa pretendia construir um oleoduto de 600 km para escoar o óleo da Bacia de Campos até São Paulo. A governadora do Rio, Rosinha Matheus, em rota de colisão com o Palácio do Planalto, bateu o pé e fez a exigência: ela só permitiria a execução da obra se a Petrobrás, por decisão do Ministério de Minas e Energia, compensasse o Estado com a instalação, em seu território, de mais uma refinaria de petróleo.
No caso do Pará, a situação não seria muito diferente. A Companhia Vale do Rio Doce aguardava, desde junho de 2003, a concessão da licença ambiental de instalação de um projeto para lavra de bauxita no município de Paragominas. A licença, pelo que se dizia, estava pronta desde àquela época na Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente - SECTAM, mas teria sido engavetada por ordens expressas do governador Simão Jatene. Sua concessão ficaria condicionada ao atendimento, pela Vale, da agenda de compromissos que lhe apresentou o governo, mais ou menos na mesma época, exigindo uma série de compensações pela suposta escolha de São Luís para implantação do seu pólo siderúrgico.
O exemplo do que aconteceu no Rio de Janeiro, onde a falta de um acordo manteve em suspenso a decisão sobre o escoamento do óleo da Bacia de Campos, aqui persistiu também o impasse: a Vale não havia atendido reivindicações que lhe foram apresentadas pelo governo do Estado e emitia alguns sinais de que não pretendia fazê-lo. Enquanto isso, a licença permaneceu retida na Sectam e, sem ela, não haveria como iniciar as obras de implantação da mina de bauxita.
No Rio de Janeiro, quando alertada sobre as possíveis conseqüências de seu gesto e para os riscos de represálias, a governadora Rosinha Matheus contra-atacacou com uma única frase: ‘Eles não podem tirar o mar do Rio’. No caso do Pará, a Vale tem ferrovias e trens. Quem sai perdendo é o Estado.
A anunciada federalização do licenciamento ambiental para obras nas áreas de petróleo, mineração e energia elétrica, se concretizada, significaria – ou poderá significar - um retrocesso e, no caso do Pará, uma volta à situação anterior a 1995, quando foi promulgada a Lei Ambiental do Estado. Mais que isso, seria uma agressão ao princípio federativo e a tomada de um caminho contrário ao trilhado pelos países mais desenvolvidos, onde a tendência é pela descentralização das decisões, inclusive aquelas relacionadas com a gestão e o controle ambiental.
O Estado do Pará não poderia continuar exposto a casuísmos a ser verdadeira a versão então difundida pela imprensa nacional. O Estado do Pará tinha que reagir naquele momento, afirmou o autor deste livro, juntamente com o Prof. Dr. Luiz Ercílio do Carmo Faria Júnior na entrevista concedida a Frank Siqueira, sugerindo o encaminhamento político de uma proposta que seguramente iria inflamar os debates no Congresso Nacional.
Ex-presidente da Paraminérios e ex-diretor de meio ambiente da Sectam, Luiz Ercílio defende a retomada de uma tese que chegou a ser levantada durante a Constituinte de 1988, na época sem grande receptividade. ‘O que deveríamos propor era uma mudança constitucional retirando da União e transferindo para os Estados os direitos sobre o seu subsolo’, afirmou o professor e pesquisador, acrescentando que é este o modelo já adotado por praticamente todos os países desenvolvidos.
Outro aspecto que deveria ser considerado, conforme enfatizou, era o fato de que o Ibama não possuía estrutura de pessoal suficiente para realizar essa tarefa. Segundo Luiz Ercílio, nos processos de licenciamento a cargo do Ibama, 80% dos técnicos pertencia efetivamente ao Estado. Além disso, ‘a licença é concedida no Ibama por uma simples coordenadoria, uma instância do terceiro escalão’.
Lembramos que, tal como já ocorreu em Carajás com os projetos de ferro e manganês, para citar apenas esses, o Pará correria um risco ainda maior no futuro, caso viesse a perder o controle da gestão ambiental em projetos de mineração. Isso porque dificilmente poderia condicionar aos seus interesses outros grandes empreendimentos no setor, como os projetos de cobre e níquel, instalados também pela Vale do Rio Doce na província mineral de Carajás.
Não pretendíamos, com esse ponto de vista, endossar possíveis ações que implicassem a utilização do licenciamento ambiental como simples ‘moeda de troca’ para a obtenção de compensações. A licença ambiental é um recurso de natureza técnica e como tal deve ser empregado, nunca como instrumento de ação política.
Também manifestamos discordância, por exemplo, em relação à veiculação de notícias da não concessão do licenciamento para o projeto de extração de bauxita da Companhia Vale do Rio Doce em Paragominas, ao que tudo indicava, como simples represália do Estado à implantação do pólo siderúrgico, que seria implantado em São Luís, mas acabou sendo levado para o Estado do Espírito Santo.
Era extemporâneo falar-se em compensações pela perda do pólo siderúrgico, para o qual não haveria volta. Os órgãos competentes tinham de se preocupar com os futuros empreendimentos, procurando adotar as medidas necessárias para evitar que outros minérios continuassem exportados sem deixar reais benefícios no Estado.
A Vale, como qualquer empresa, tem o livre direito de se instalar onde bem entender e seus estudos técnicos indicarem, desde que satisfaça as formalidades e exigências legais pertinentes. O papel do Estado é fazer valer a Lei 5.887, que dispõe sobre a Política Estadual de Meio Ambiente e estabelece que dependam de avaliação dos impactos ambientais o licenciamento de toda e qualquer atividade considerada efetiva ou potencialmente poluidora ou capaz de causar degradação ao meio ambiente.
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