segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

BID 50: Cinqüenta anos financiando a desigualdade

Os cinqüenta anos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) põem em evidência o fracasso da instituição em cumprir os seus objetivos, e as suas conseqüências para os povos e o ambiente da região. A qüinquagésima Reunião Anual de Governadores do BID, a ser realizada em Medellín, Colômbia, entre 27 a 31 de Março de 2009 - é a ocasião de festa para o Banco, e de profunda preocupação e rejeição de uma série de movimentos populares e organizações sociais em toda a região, que farão frente a esta assembléia com uma série de eventos alternativos.

DECLARAÇÃO DE CAMPANHA

No final da década de 1950, os governos da América Latina e do Caribe se dispunham a iniciar um ciclo de reformas que permitira à região avançar pelo caminho do desenvolvimento. Entre as instituições que foram criadas para realizar esse papel, se destacou o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), fundada em 1959 por um acordo entre os países interamericanos. O Convênio Constitutivo (CC) do BID entrou em vigor em 30 de dezembro de 1959. O primeiro artigo do documento afirma o objetivo da instituição:

"Contribuir para acelerar o processo de desenvolvimento econômico e social, individual e coletivamente, dos países membros regionais em vias de desenvolvimento".

Após uma trajetória de 50 anos, grande parte das políticas sociais e econômicas promovidas e alavancadas com empréstimos e condicionalidades do BID mostraram-se incapazes para lograr uma América Latina "eqüitativa e desenvolvida". Os índices de pobreza e desigualdade são alarmantes. Segundo as últimas estimativas disponíveis para os países da América Latina, no ano de 2007 cerca de 34,1% da população da região estava em situação de pobreza. Por seu lado, a pobreza extrema ou indigência compreendia 12,6% da população. Portanto, o número total de pessoas sobrevivendo em situação de pobreza alcançava os 184 milhões de pessoas, das quais 68 milhões como indigentes. E, se isso não bastasse, a desigualdade na América Latina apresenta também taxas muito preocupante, com níveis mais altos de desigualdade na distribuição de renda do mundo. A renda per capita dos 10% mais ricos supera, em muitos países, quase 20 vezes os 40% mais pobre.

Além disso, vemos uma crescente degradação ambiental, em grande parte como resultado do modelo de desenvolvimento que o Banco tem promovido, com base na extração de recursos não renováveis de forma intensiva e poluidora, que atenta contra os direitos das populações nos locais onde essas atividades são desenvolvidas. Também promove um modelo agrícola que favorece a monocultura, a concentração de terras, a perda do solo, ao açambarcamento de água e ao desaparecimento das economias camponesas. Estes e outros projetos estão orientados para exportação e muitos deles apoiados por empréstimos do BID, tornando esta instituição financeira responsável por uma enorme dívida social e ecológica para os povos da América Latina e do Caribe, entre as quais se inclui a dívida pelas alterações climáticas.

Por outro lado, o processo de integração regional que o Banco também reconhece como um dos seus objetivos segue promovendo a desigualdade. A integração que os povos da América Latina e do Caribe querem não é a promovida desde instituições multilaterais como o BID, nem tão pouco desde a maior parte dos governos nacionais. Isto porque ela está apoiada em iniciativas de integração de infra-estruturas como a IIRSA, que contempla obras que causarão profundos impactos sócio-ambiental nas populações locais, e por privilegiar uma modalidade de integração na qual se favorece a abertura da região ao capital financeiro e industrial estadunidense, europeu e japonês, assim como se fortalece o desenvolvimento de enclaves na região. Ela é uma integração que passa por cima de uma integração social, econômica, financeira e comercial emanada dos direitos, das necessidades e da diversidade cultural da América Latina e do Caribe, destinada a fortalecer aos povos e os países da região.

Os processos de endividamento com o Banco aumentaram seguindo os interesses dos emprestadores, em alguns casos favorecido por situações de déficit fiscal crônico. Isto foi particularmente evidente em meados da década de 1990. Com a Oitava Reposição de Recursos, o BID desenvolveu uma estratégia de empréstimo com uma taxa média anual de US$ 7,000 milhões, com ênfase em projetos que contribuam para temas relacionados com as transformações tecnológicos e produtivos, a chamada modernização do Estado e o fortalecimento do sector privado. Seu objetivo não era exatamente reduzir as desigualdades na região, mas sim avançar decisivamente no processo de privatização dos direitos humanos e sociais básicos, como a educação, a saúde, a água, assim como promover a expansão dos interesses privados na extração e pilhagem das riquezas da região.

Não podemos ignorar a cumplicidade do BID, bem como outras instituições financeiras internacionais (Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional), no financiamento das ditaduras militares que flagelaram nossa região nas décadas de 1970 e 1980. Nem tão pouco o papel desempenhado em relação ao desenvolvimento da corrupção, já quase endêmica em alguns países, e a apropriação por parte de muitos funcionários, políticos e militares dos empréstimos para os governos.

A urgência da luta contra a impunidade com que o Banco atua em nossos países, frente as graves violações dos direitos humanos e crimes econômicos e ambientais, é uma conclusão de qualquer balanço que se faça destes primeiros 50 anos. É por isso que uma boa parte dos projetos promovidos pelo BID foi criticada amplamente por suas conseqüências sociais, políticos, econômicos e ambientais para os povos da América Latina e no Caribe, e as dívidas que resultaram deles foram rejeitadas devido sua ilegitimidade. Estas questões dizem respeito ao modelo de desenvolvimento aos quais eles respondem, à debilitação da estrutura social e ambiental, aos deficientes processos de avaliação dos custos e benefícios dos projetos, às ambíguas salvaguardas sociais e ambientais, à deficiente supervisão e fiscalização das distintas etapas dos projetos, à limitada transparência no acesso à informação e à participação, entre outras.

O 50º aniversário do BID é uma ocasião importante para ampliar e aprofundar as iniciativas que desde muito tempo têm sido promovidas região frente às conseqüências da sua gestão e do impacto econômico, social e ambiental dos projetos. A campanha que iniciamos destina-se a evidenciar o fracasso do BID durante seus 50 anos de existência ao financiar um modelo de desenvolvimento que amplia as desigualdades, destrói a natureza, a soberania e a autodeterminação dos povos.

Especialmente na atual conjuntura, marcada pela crise econômica global, alimentar, energética e climática, em grande parte um reflexo das políticas promovidas pelo BID e outras instituições financeiras multilaterais, é urgente evitar uma nova era de endividamento ilegítimo na nossa região. Não queremos nem necessitamos na região um banco que financie as desigualdades, as alterações climáticas, as políticas repressivas e a integração subordinada a um modelo hegemônico de desenvolvimento que, hoje mais do que nunca, mostra ao mundo seu fracasso.

Portanto, e com o objetivo de continuar avançando no fortalecimento e articulação de ações de resistência e construção de alternativas, organizamos um encontro popular de 3 dias, paralelo à Reunião Anual de Governadores 2009, para somarmos e darmos continuidade às múltiplas maneiras que se tem expressado o rechaço às políticas do Banco, ao longo dos seus 50 anos.

O trabalho vai analisar três temas principais:

A Crise Financeira. Para os bancos multilaterais, a atual crise financeira é uma oportunidade para aumentar a nossa dívida. Uma análise detalhada nos permitirá fazer uma avaliação dos processos de liberalização econômica, privatização e integração comercial; sobre a ilegitimidade da dívida reclamada pelo BID;

Os Desafios da Sustentabilidade. Apesar das salvaguardas ambientais adotadas para o seu ciclo de projeto, o BID ainda não inclui a utilização de ferramentas de planejamento e de ordenamento territorial, previas às decisões sobre os grandes projetos de infra-estrutura; a falta de um Plano Diretor para enquadrar as ações tomadas para fazer face às conseqüências das alterações climáticas e do reconhecimento da dívida ecológica;

Os Direitos Humanos, particularmente os Direitos Econômicos, Sociais, Culturais, Coletivos e Ambientais. Iremos debater sobre a pouca efetividade dos mecanismos de participação da sociedade civil; sobre os efeitos da flexibilidade do trabalho e a criação de emprego informal; o não cumprimento do direito dos povos indígenas de serem consultados previamente, incluindo o direito de veto sobre os projetos; sobre o elevado custo e a má qualidade dos serviços públicos privatizados, o que tem gerado movimentos de usuários ("desligados") porque não podem pagar; sobre a falta de inclusão de questões de gênero; sobre a atenção à população migrante, não só medida pela quantidade de remessas e que devem canalizar, entre outras.

Ativistas, intelectuais, artistas e funcionários de governos aliados farão parte deste grande manifestação, que visa contribuir para a articulação de uma plataforma social frente ao BID e incidir de forma direta na atuação da instituição, questionando aos 50 anos de financiamento da desigualdade econômica, a degradação ambiental e social que se evidenciam em:

Um modelo de desenvolvimento centrado na extração, expropriação e exportação de produtos primários e na liberalização selvagem que aumentou a desigualdade, a injustiça em termos de direitos humanos e uma maior desigualdade entre a região e o resto do mundo.

A desigualdade de poder entre grupos empresariais transnacionais e as populações afetadas, e a imposição dos planos, políticas e projetos promovidos e financiados pelo BID. A desigualdade e não satisfação aos aspectos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à população latino-americana, incluindo a água.

A exclusão na tomada de decisão, perpetuando as desigualdades entre as classes, sexos, raças e etnias.

A ausência de um plano mestre para enfrentar as causas das alterações climáticas e de outros danos ambientais e sociais.

O fracasso da política e projetos de reforma agrária para alterar o regime de expropriação, deslocamentos e da concentração da terra.

Seus discursos populistas (Verbi gratia: "oportunidades para a maioria”), que não tiveram qualquer efeito sobre a persistência da exclusão e discriminação da maioria da população, incluindo as mulheres, os povos indígenas e afro-descendentes, entre outros.

A existência de 20 milhões de latino-americanos que já não vive em seus locais de origem, uma vez que foram deslocados, expulsos, tendo que procurar segurança e bem-estar em outras terras, muitos vivendo como refugiados ou sob condições de pobreza e insegurança.

A violação permanente e sistemática dos Direitos Humanos. Os fatos são esmagadores. Não é possível dizer que os objetivos fundadores do BID tenham sido cumpridos. É essencial repensar o desenvolvimento que queremos como povos e países da América Latina e do Caribe, que garanta um meio ambiente saudável e o bem viver dos povos da região. Nós esperamos o vosso apoio para alcançar este propósito politicamente incontornável.

Para mais informações, contatar:
Página Web: http://www.frentebid2009.org
E-mail: info@frentebid2009.org

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