Em 3 de maio comemora-se o dia da árvore que dá nome ao país. Apesar do desmatamento secular, projetos recentes persistem na luta pela sobrevivência da espécie
Nas terras do país que ostenta uma vasta pauta de exportações de matérias-primas, um produto bem menos abundante, mas igualmente apreciado, reclama socorro. E já há alguns séculos. O pau-brasil foi, a rigor, o primeiro item vendido ao exterior pelo Brasil - e não foi apenas o nome que se subtraiu da árvore.
Espécie típica da Mata Atlântica, com ocorrência do Rio Grande do Norte a São Paulo, sua extração foi favorecida pela localização das florestas junto ao litoral. Rapidamente, ainda nos anos de 1500, os colonizadores portugueses descobriram a vocação do pau-brasil (ou ibirapitanga, em tupi-guarani) para o tingimento de tecidos, pela presença de um corante avermelhado chamado 'brasilina'. O comércio manteve-se lucrativo até meados do século XIX, quando foi progressivamente substituído por corantes sintéticos.
Mas, pouco antes, por volta de 1750, um novo destino foi dado à madeira: a confecção de arcos de violino. A atividade atravessou gerações e chegou aos dias atuais: os músicos a consideram matéria-prima única para esse instrumento musical, conferindo-lhe altíssima flexibilidade.
A boa fama no ramo musical fez prosseguir, ano após ano, a dilapidação da árvore nas matas brasileiras. 'O pau-brasil tem um histórico de exploração intenso, que ainda não acabou', afirma José Humberto Chaves, coordenador-geral de autorização do uso da flora e florestas do Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Hoje, restam poucos exemplares da espécie, principalmente no sul da Bahia, onde já foram identificadas quase duas mil árvores, e no norte do Espírito Santo.
Por isso, desde 1994, o pau-brasil consta oficialmente da lista de plantas ameaçadas de extinção no país. Em 2007, porém, o Brasil deu um passo importante para a preservação da planta: conseguiu incluí-la na Cites - Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas, que estabelece critérios rigorosos de comercialização. A partir de então, passou a ser exigida a inspeção da madeira em todas as transações internacionais. 'Apesar de ser uma árvore exclusivamente brasileira, a decisão nos ajuda a combater a venda ilegal', esclarece o coordenador do Ibama.
Estímulo ao plantio
Curiosamente, a presença do pau-brasil na Cites estimulou uma iniciativa pioneira dos próprios usuários da flora. Atentas à crescente dificuldade para a obtenção da madeira, empresas francesas, alemãs e norte-americanas de instrumentos musicais se interessaram em investir no cultivo da espécie. Assim, procuraram a Ceplac - Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira para estabelecer um convênio. A entidade, originariamente ligada ao cacau, conserva exemplares de pau-brasil há cerca de 40 anos, em uma área de mil hectares em Porto Seguro, na Bahia - experiência reforçada na comemoração dos 500 anos do Brasil, em 2000, quando o governo federal encomendou à Ceplac o preparo e a distribuição de 150 mil mudas da árvore no país.
O programa com os estrangeiros, inicialmente com prazo de cinco anos, teve como objetivo financiar pesquisas, propagar mudas e dar assistência técnica aos agricultores, com um aporte de 600 mil reais. 'Grande parte das mudas foi destinada ao plantio no sistema chamado 'cacau-cabruca', por meio do qual o fruto recebe o sombreamento de árvores nativas da Mata Atlântica, caso do pau-brasil', afirma Demósthenes Lordello de Carvalho, gerente administrativo de pesquisas do setor de recursos ambientais da Ceplac. O plantio é a única forma de ter a liberação de uso do pau-brasil, já que a Lei da Mata Atlântica, aprovada em 2006, proíbe até mesmo o manejo sustentado da planta, sem a possibilidade de extração legal na floresta.
O sucesso foi tão grande, com a plantação de 131 mil árvores, que os pesquisadores já trabalham na segunda fase do projeto. Agora, além do monitoramento do que já foi cultivado, a Ceplac quer focar na adequação ambiental da propriedade rural, com atenção à reserva legal e à APP - Área de Preservação Permanente. 'Agora, pretendemos plantar 25 mil exemplares de pau-brasil, um número menor que na primeira fase, porque a ideia é cuidar bem do que já está no campo', diz Carvalho.
Pau-Brasil, esse desconhecido
Mas ainda há muito que conhecer da planta. Segundo gerente da Ceplac, apenas recentemente é que os pesquisadores descobriram que a árvore rebrota e que ocorre sempre de forma agregada - ou seja, ao encontrar um exemplar na mata, com certeza haverá um outro bem próximo. Sabe-se que o pau-brasil está apto para a colheita em um período de 30 a 40 anos, portanto, um investimento de longo prazo. A espécie pode atingir alturas elevadas - um exemplar cultivado no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, por exemplo, possui 25 metros de altura e 60 centímetros de diâmetro.
O Ibama também realiza um levantamento para identificar a extensão da procura por pau-brasil. Dados de 2007 dão conta de que a demanda giraria em torno de 200 metros cúbicos por ano. 'É difícil saber com exatidão o tamanho do mercado, porque grande parte das fábricas cadastradas opera com estoques antigos da madeira, já que os instrumentos musicais que fabricam não exigem grande quantidade da matéria-prima', diz Chaves, do Ibama. Há ainda um universo de ilegalidade que a entidade tenta mapear. 'Infelizmente, é muito fácil burlar a lei: é possível levar uma dezena de arcos de violino numa mala sem despertar suspeitas, já que o material não faz muito volume', explica.
(Fotos: arquivo O Globo/ arquivo Ed. Globo)
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