sexta-feira, 3 de julho de 2009

Amazônia e o resto do mundo

Por Léo de Almeida Neves*

O ex-presidente Bill Clinton em recente conferência pronunciada em São Paulo disse que o “Brasil por causa da Amazônia respira o ar mais limpo do mundo e pode resistir melhor aos processos de mudanças climáticas”. Vinte e três detentores de prêmio Nobel, químicos, físicos e outros cientistas, e mais 600 pesquisadores reunidos em fim de junho/09 na Alemanha, assinaram documento afirmando que é preocupante o aquecimento global, ocasionando decréscimo das geleiras de 7% ao ano, duplicação dos desertos de areia, enchentes, secas e incêndios florestais. A ausência dos Estados Unidos fragilizou o Protocolo de Kyoto, Japão, e a esperança é que haja resultados concretos na Conferência de Copenhagen, em dezembro próximo, alentada nos compromissos públicos revelados pelo presidente Barack Obama em favor das causas ambientais.

A Amazônia legal brasileira, com seus cinco milhões de quilômetros quadrados (quase 60% do território brasileiro), tem sido cobiçada pelas grandes potências. Patrimônio comum, pulmão do universo, espantosas riquezas minerais, proteção aos índios, biodiversidade inigualável foram motivações para que, já em 1919, o presidente Wilson dos Estados Unidos preconizasse a internacionalização da região. “Soberania limitada” sobre a Amazônia defenderam François Mitterrand, presidente da França, Gorbachev, da Rússia, e o vice-presidente norte-americano Al Gore. Na década de 60, o Hudson Institute dos EUA lançou a absurda idéia de formar o Grande Lago Amazônico. A ONU decidiu com o voto favorável do Brasil que os “povos indígenas têm direito à autodeterminação, podendo escolher sua condição política”. Enquanto os índios norte-americanos remanescentes transformaram-se em donos de cassinos e assumiram a feição capitalista, o Brasil mantém 520 reservas indígenas. Inquietante é os ianomâmis, que habitam pedaço contíguo da Venezuela, serem apenas 10.000 para 9,4 milhões de hectares, e a nova reserva Raposa Serra do Sol medir 1,7 milhão de hectares para 15.000 índios. Por isso, o país não pode descurar de vigilância sobre ONGs estrangeiras atuando dentro das reservas e impõe-se a presença de batalhões militares nas faixas de fronteira.

Só 4% das terras amazônicas são legitimamente tituladas, motivação do governo editar a Medida Provisória nº 458, aprovada com emendas pelo Congresso Nacional, possibilitando regularizar 67,4 milhões de hectares, igual a Alemanha e Itália juntas, ocupados na maioria por pequenos e médios agricultores. O presidente Lula corretamente vetou o artigo que permitia a transferência de terras para empresas jurídicas e a prepostos. Os adquirentes terão de preservar a mata ou replantar 80% das terras no prazo de 10 anos. Com a titulação das glebas, identificando os proprietários, ficará mais fácil fiscalizar o desmatamento. Durante o regime militar, a construção da rodovia transamazônica e os incentivos fiscais e financeiros através da SUDAM e dos bancos oficiais, e assentamentos de sem-terra, aceleraram a expansão da fronteira agrícola na Amazônia, sob o princípio de “integrar para não entregar”. A criação e simultâneo fortalecimento industrial da Zona Franca de Manaus constituiu procedimento positivo que fez arrefecer as teses alienígenas de internacionalização da Amazônia. As ações estrangeiras tomaram outro rumo, voltando-se para aspectos econômicos: não importar madeira, carne e soja provenientes de regiões descumpridoras da legislação florestal. Aqui, o BNDES e o Banco do Brasil não mais financiam desmatadores e ocupantes ilegais de terra. A propósito, o Pará teria quatro andares de território, devido escrituras falsificadas, formando as chamadas “terras de papel".

A verdade é que a consciência ambiental propagou-se universalmente, a qualidade sanitária dos produtos agro-pecuários tornou-se exigência da população, e o rastreamento de animais, a salvaguarda da biodiversidade e o respeito às leis sociais e trabalhistas passaram a ser exigidos irrecusavelmente. O texto original da Medida Provisória 458 exigia mínimo de 10 anos para poder transferir a propriedade; lamentável que o Congresso tenha reduzido o prazo para três anos, o que facilitará a formação de latifúndios, uma vez que serão regularizadas áreas de até 1.500 hectares. O Brasil precisa adotar atitudes firmes contra o desmatamento ilegal na Amazônia, e os Estados Unidos e a Europa que devastaram suas florestas tem a obrigação moral de contribuir financeiramente para o Fundo da Amazônia administrado pelo governo brasileiro, seguindo o exemplo pioneiro da Noruega.

* Léo de Almeida Neves, membro da Academia Paranaense de Letras, ex-deputado federal e ex-diretor do Banco do Brasil

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