sexta-feira, 10 de julho de 2009

Os países ricos continuam esquecendo dos pobres do mundo

Por Sylvia Borren*

Após semanas de negociações, as conclusões da Conferência de Alto Nível das Nações Unidas sobre a Crise Financeira e Econômica, de 24 a 26 de junho, foram enormemente decepcionantes. A reunião foi uma oportunidade para continuar apresentando nossas demandas sobre a crise econômica depois da Conferência de Doha sobre Financiamento Internacional. O documento final da Conferência de Nova York acabou aceito unanimemente. Porém, pouco depois os delegados dos Estados Unidos indicaram que as estruturas de governo do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio não deveriam sofrer influências das decisões da Organização das Nações Unidas (o que implica rejeitar o exercício de uma vigilância democrática sobre essas instituições).

A União Européia saudou o documento final e o qualificou de altamente ambicioso, o que resulta em cinismo quando as nações em desenvolvimento sentem que foram obrigadas a aceitar um compromisso muito débil, com apenas um grupo ad hoc da ONU para continuar o trabalho. As organizações da sociedade civil, entretanto, estão enfadadas porque não foram acordadas medidas concretas de resgate para os mais afetados: mulheres e marginalizados socialmente. Estima-se que os líderes mundiais gastaram no ano passado dez vezes mais dinheiro para resgatar o mundo financeiro do que gastaram em 49 anos com ajuda ao desenvolvimento, segundo a Campanha do Milênio das Nações Unidas.

Os mais poderosos dirigentes políticos do mundo continuam desatendendo a questão dos direitos humanos, deixando de assumir sua responsabilidade pelos efeitos da crise econômica e financeira que eles mesmos causaram. A crise alimentar está afetando majoritariamente as mulheres, enquanto os jovens de todo o mundo, que sofrem carências em matéria de educação e trabalho e não têm esperança, se voltarão à violência doméstica ou comunitária como maneira de desafogar seus problemas. A migração forçada aumentará.

As boas novas desta Conferência da ONU é que existem muitas soluções transformadoras que foram colocadas na mesa e que apontam para a mesma direção: investir nas pessoas.

São elas:
- Investir nas crianças por meio de uma educação de qualidade;
- Investir em empregos com salários decentes para as mulheres no setor da atenção domiciliar;
- Investir em emprego juvenil;
- Investir em serviços públicos de qualidade na saúde, educação, água e saneamento;
- Investir em agricultura sustentável em pequena escala para resolver a crise alimentar;
- Investir em microfinanças como base das economias locais e das empresas;
- Investir em infra-estrutura ecológica para adaptar-se à mudança climática e combatê-la.

Esta é realmente uma época de consensos sem precedentes. O documento final desta Conferência da ONU reconhece as causas, o impacto e as responsabilidades das presentes crises combinadas e adota, embora de forma muito diluída, algumas destas soluções: pacotes de estímulo fiscal e econômico, um chamado para incrementar a adesão aos compromissos com a Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD) e o estabelecimento, embora sem um prazo definido, de um grupo de trabalho ad hoc da Assembléia Geral da ONU. Além disso, a crise financeira e econômica ocupa o centro do debate da 64ª sessão da Assembléia Geral da ONU.

As más notícias são a notável falta de urgência e de vontade política para avançar com energia nas muitas soluções propostas. Os cidadãos do mundo viram como os líderes dos países desenvolvidos agiram, com uma velocidade e coragem sem precedentes, para regatar os bancos. Cerca de US$ 20 trilhões foram usados e prometidos para aqueles que foram os maiores causadores da crise atual. Entretanto, nem mesmo um terço dos US$ 30 bilhões pedidos na reunião de Alto Nível da ONU sobre a Crise Alimentar, de um ano atrás, foi colocado à disposição até agora.

A Comissão Stiglitz recomenda que 1% dos pacotes de estímulo dos países desenvolvidos se destine ao mundo em desenvolvimento, além da AOD prometida. Esta recomendação (que destinaria ao mundo em desenvolvimento US$ 200 bilhões) não foi aditada pela Conferência de Nova York. Pessoalmente, penso que a solução é gastar dólar por dólar em investimentos nas pessoas, que a sociedade civil, incluindo os sindicatos, está exigindo, ou seja, em soluções sustentáveis para o desenvolvimento. Assim, dos US$ 20 trilhões usados para resgate de bancos e grandes corporações empresariais, pelo menos metade deveria ter sido investida nas pessoas, nos países em desenvolvimento.

Então, qual a nossa conclusão? Que as vozes dos pobres e dos milhões de cidadãos organizados em sindicatos e grupos contra a pobreza aparentemente não são tão importantes como as dos bancos e das grandes corporações. Nossos dirigentes fornecem um pacote de resgate cuja maior parte foi para a elite econômica e virtualmente nada aos dois bilhões de mulheres, crianças, idosos e socialmente excluídos que se encontram na parte mais baixa da pirâmide econômica, que serão os mais afetados. Esta é a crise moral da liderança que estamos enfrentando atualmente no mundo e não se viu nenhuma melhoria a respeito nesta Conferência da ONU.

Por outro lado, embora nesta Conferência tenha havido a tentativa de programar algumas soluções, a maioria das nações ricas as bloquearam. As mulheres e os homens que vivem na pobreza, os milhões de cidadãos organizados em sindicatos e em movimentos sociais, os 116,9 milhões que aderiram ao Chamado Mundial à Ação Contra a Pobreza (GCAP) no ano passado, agora terão de pressionar os líderes do G-8, que começam a se reunir antidemocraticamente no dia 8 deste mês.

* Sylvia Borren é copresidente do Chamado Mundial à Ação Contra a Pobreza (CGAP) e da Worldconnectors.

(Envolverde/IPS)

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