Por Luciano Martins Costa, para o Observatório da Imprensa
As questões envolvidas nas expressões "responsabilidade social corporativa", "investimento social privado", "responsabilidade ambiental" e "sustentabilidade" ainda são tratadas na imprensa brasileira em nível muito superficial – e de maneira muito irresponsável, pode-se afirmar. Não bastaria dizer, como justificativa, que as mudanças de paradigmas sempre demoram a se concretizar e a compor tendências, que estaríamos vivendo um momento de transição e que, portanto, é natural esperar que as cabeças pensantes da imprensa se situem no novo contexto.
O problema da resistência da mídia em pelo menos entrar honestamente no debate deve ter outras causas. Primariamente, não seria respeitoso imaginar que ainda possa persistir entre jornalistas, articulistas, gestores e agregados aos meios de comunicação a ilusão de que a economia pode continuar crescendo em todo o planeta sem que se alterem as relações entre os processos produtivos e o patrimônio ambiental. Da mesma forma, seria debochar da inteligência emprestada à mídia considerar que ela aceita como inevitável a sucessão quase interminável de conflitos de toda espécie que compõem o cenário global, desde as brigas de gangues ao terrorismo internacional. Num ambiente social assim deteriorado, não há capital que resista por muito tempo.
Então, por que a imprensa segue impondo aos seus leitores e à sua audiência uma visão obsoleta do mundo, na qual a defesa do meio ambiente e a defesa da responsabilidade social do capital são apresentadas como teses de "naturebas" radicais que se opõem ao progresso do capitalismo, de velhos hippies deslocados na "pós-modernidade" ou de marxistas inconformados?
A inteligência da mídia sabe que não se trata disso. Mesmo a mais conservadora inteligência da mídia reconhece que o conflito ideológico contemporâneo tem a mesma raiz de todos os tempos – a manifestação de padrões desiguais de entendimento sobre o que seja utopia e o que seja ilusão –, mas a visão bipolar que marcou os séculos 19 e 20 não cabe nos paradigmas atuais, impostos pela globalização.
Caridade velha de guerra
A rigor, esse debate se resolve no ambiente científico, se considerarmos que a ilusão é a construção de perspectivas com base em premissas falsas e a utopia é a construção de perspectivas com base científica. Se alguém afirmar que é possível impor um "grande islã" planetário ou uma "irmandade do coração de Maria" global, a ciência vai ponderar que a humanidade busca naturalmente a diversidade como condição para sua sobrevivência, outros pensadores vão lembrar que o ser humano evolui no sentido da ampliação de sua consciência e sempre haverá alguém para decretar que a estupidez tem limites.
O que fica difícil entender é por que razão a imprensa se nega a deixar que o debate sobre a convergência dos desafios social e ambiental se estenda para o terreno onde ele realmente pode avançar, que é a questão do papel social do capital. Ou, dito de outra forma, sobre a natureza do capital. Dizer simplesmente que tal ou qual manifestação de preocupação com o destino do mundo, como a defesa do meio ambiente e a luta por igualdade social, é apenas arenga de velhos comunistas, equivale a chamar o leitor de estúpido. Mais do que isso, representa falta de responsabilidade social, descumprimento do papel social da imprensa de estimular a inteligência da sociedade.
Visto pelos próprios olhos da imprensa, o estado do mundo indica que a equação planetária não se resolve plantando mudinhas de ipê no jardim da empresa ou doando parte dos lucros e alguns computadores usados para a escolinha de capoeira dos negrinhos da Vila Nhocuné. Ou, para evitar mal-entendidos, para a população carente da Vila Nhocuné, onde se pode identificar grande número de infantes afro-descendentes. Sim, porque a imprensa pode ser ao mesmo tempo, contraditoriamente, socialmente irresponsável e politicamente correta.
Há muito conhecimento disponível sobre as causas defendidas por ambientalistas e pelos praticantes da gestão pela sustentabilidade que indicam a premência de incluir entre as variáveis do balanço das empresas a questão ambiental e a capacidade do capital de produzir resultados sociais tão positivos quanto seus lucros financeiros. Mas o padrão na imprensa ainda é afirmar que "o lucro é a razão de existir da empresa", fazendo a concessão segundo a qual, tendo lucros, uma empresa pode distribuir uma parte de seus resultados sob a forma da responsabilidade social. Alguns chegam a acrescentar o bordão de origem cristã pelo qual, ao doar parte de seus ganhos, o capital estaria demonstrando sua gratidão pelas bênçãos de seus lucros. A velha e boa caridade travestida de responsabilidade social.
Responsabilidades recíprocas
Essa visão obsoleta da questão social não merece os bits de uma linha na tela do computador, mas é a idéia que predomina na imprensa. Raramente se observa, em qualquer jornal ou revista, uma reportagem ou análise que contemple, por exemplo, os novos padrões de risco que desafiam os empreendedores, as novas métricas que permitem tangibilizar perdas e ganhos sociais e ambientais, ou, um pouco mais adiante, questões como capital e democracia, capital e igualdade social, capital e garantia de usufruto dos bens naturais para as futuras gerações.
Um exemplo desse anacronismo da imprensa é a abordagem da questão do aquecimento global. Mesmo que haja cientistas de boa reputação criticando pontos do relatório sobre mudanças climáticas que assombrou o mundo em fevereiro de 2007 – e os há, sim, misturados a picaretas financiados pela indústria poluidora – a questão ambiental não tem, nunca teve, como vértice o problema meteorológico. O aquecimento global é apenas uma bandeira adicional, que foi irresponsavelmente empunhada pela imprensa em todo o mundo, criando um catastrofismo que, em vez de inspirar mudanças de comportamento, provoca o fatalismo conformista que nada muda.
A verdadeira questão do movimento ambientalista e do movimento por responsabilidade social se baseia no princípio segundo o qual os indivíduos são responsáveis pelo todo social e ambiental. Segundo esse princípio, a responsabilidade de usar os meios disponíves não se limita à imposição de limites horizontais, que definem os direitos compartilhados com os contemporâneos, mas também aos limites verticais, que significam o respeito ao direito futuro das gerações que ainda estão por vir, e o respeito ao passado, ao modo de vida de populações que preferem seguir o caminho da evolução social à sua maneira e em seu próprio ritmo.
São responsabilidades recíprocas e correspondentes, e nada têm a ver com opções do tipo esquerda-direita, como dá a entender a visão reducionista predominante na mídia.
(Envolverde/Observatório da Imprensa)
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